segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A-manhã

Innsbruck 

O dia nasceu claro. Não como os meus pensamentos. Ontem bati no coração com os punhos cerrados. Ontem despejei o pote da água pura. Parti os espelhos. E hoje não sei de que cor amanheceu o coração. Da casa partida limpo os cacos, vejo o que ficou de pé. Estás tu, ao fundo, olhar doce. Parti-a por ti. Pegas-me na mão e murmuras algo bonito. Pegas-me nos dedos e ficas. Eu sinto que devo uma desculpa ao mundo por partir a casa. Era uma casa bonita. Mas eu não cabia aqui e tive de partir. Tu vieste-me buscar, esperaste por mim. Eu nem sei onde me vais levar, eu nem sei como andas ainda, eu só tenho fantástico desconhecido. Mas nunca poderia ficar sem o explorar. Eu nunca deixaria a porta aberta sem a atravessar.

domingo, 9 de novembro de 2014

Rituais de Budapeste – Szimpla Farmers' Market



fotos retiradas do Szimpla blog

Desculpem. Talvez nos últimos tempos tenha andado demasiado perdida dentro dos meus próprios caminhos. Talvez tenha percorrido demasiadas ruas em mim, e tão poucas pela cidade. Talvez tenha descrito demasiadas paisagens de sentimentos, e tão poucas das pedras e cenários que dão nome a este blogue. A esta aventura.

Hoje, porque é domingo, é dia de ritual. É dia de acordar e sair de casa sem planos, e deixar que os pés levem por trajectos que já conhecem. E, aos domingos de manhã, tantas vezes, vão dar ao Szimpla.

Para quem não conhece o Szimpla é o bar mais famoso de Budapeste. O pai de todos os “ruin bars”. O ponto de encontro de todo o visitante e todo o habitante. Um labirinto de salas e emaranhados de quinquilharias, luzes multicolor, de línguas e música e fumo. Um caos entendível e reconfortante.

O Szimpla, que tantas vezes procuro evitar pela noite. Talvez cansada de todo este caos de gente passageira, de euforia imediata. Mas ao domingo de manhã, ao domingo de manhã, com o sol a entrar pelos pátios e as luzes boémias apagadas, levanta-se a máscara deste lugar como se lava a maquilhagem da noite e nasce um lugar franco de paredes cruas. Ao domingo de manhã chegam os agricultores carregados de sacas de batatas, beterraba, abóboras. Chegam os queijeiros com as suas toscas obras de mil formatos e facas que cortam finas fatias de prova para quem passa. Chegam os jovens criativos com as suas produções de exóticas ervas aromáticas, compotas, xaropes de sabugueiro,  massas artesanais. Chegam os talhantes com os nacos de carne fumada, longos chouriços e torresmos. Chegam os amigos que cozem grandes panelas fumegantes no terraço. Chegam os músicos a tocar bossanova e saxofone. E, finalmente, chegam as pessoas com a sua serenidade e sorrisos.


E o labirinto boémio transforma-se num labirinto de cheiros, sabores e conversas. Quem o visita conhece. Jovens e idosos, turistas e locais. Cafés bebidos por gente com livros. Gente com sacolas que sabe o que procura. Volto com um saco de beterrabas, maçãs, pimentos multicolores e um pedaço de queijo de cabra. Sei que vão ter tanto mais sabor que os bonitos do supermercado. Tal como tão bom é este sabor das manhãs de domingo.