domingo, 14 de janeiro de 2018

Latvija

Agora que o tempo vai apagando o supérfluo, e se me perguntassem como foi aquele lugar, eu enumeraria cinco memórias:



#1 vista da janela: o rio está congelado e abre-se branco defronte da janela da escola. Tudo é alvo, excepto os pequenos círculos negros que o ponteiam. Junto a cada círculo está um homem acocorado. São os pescadores, que pescam a linha por furos na fronteira gelada.

#2 A língua que se ouve parece um feitiço, uma coisa mística, uma ave que voou pela floresta e nos ensinou a língua a dançar: paldias, liepaja, jurmala, kuldiga.

#3 Outra janela, desta vez que se move. Lá fora tudo é branco, tudo adormece, ninguém nem nada se vê, nada se cheira. Tudo se suspende, até o tempo. Tudo é horizontal.

#4 Na rua, junto à estrada: uma rapariga. Pára e, fechando os olhos, vira a cara para o sol. Os raios tímidos iluminam-lhe o rosto. Sorri. Estamos em Maio e chegou a primavera. Provavelmente há mais de seis meses que o sol não lhe sorria de volta.

# 5 A praia fica sempre depois da estrada, depois do pinhal. Por vezes caminhamos muito, mas nunca nos cansamos. Por vezes, dentro do pinhal, ainda há o pântano, ainda há o lago. Chego a esquecer-me de onde estou, e faço muitas pontes com a minha península, no meu país. Quando se chega à praia a areia está rija como betão, por causa do gelo. O mar empurra e cristaliza o gelo nas suas orlas. E tudo é de novo horizontal: o branco da neve: o negro dos limos: o vermelho do mar.