sexta-feira, 10 de março de 2017

Paixão branca



Não sei se é o horizonte. Não sei se são os areais infinitos ou as ondas. Caminhar pela margem interrupta até decidir quando voltar para trás. Não sei se é esse olhar em frente por linhas: azul do céu, escuro o mar, a areia, depois as algas, depois de novo a areia, ou aqui, a neve, e por fim, os pinheiros. Também não sei se são, talvez, esses pinheiros, ou as gaivotas. Mas há algo aqui que me apazigua, e que me faz entender-vos. Talvez sejamos somente seres crescidos junto ao mar, e partilhemos essas infâncias na areia. Aqui, tão longe, olho a planície cheia de neve e parece a lua. Por vezes tudo parece um lugar irreal, enquanto outras parece casa. Ou ainda, talvez, seja apenas a brandura, que aqui nasce todos os dias e em Portugal adormece junto ao mar.
Pouco falei da vida aqui. Tiro poucas fotos porque as mãos não aguentam o frio de segurar na câmara. Neva há 5 meses agora. Os rios estão congelados. Por vezes partem-se, e amontoam-se triângulos de gelo nas margens do Daugava. Eu percebo porque alguém se pode apaixonar aqui, entre tanta adversidade, é que o frio traz a paz e o silêncio. Pequenas bolsas de calor irrompem na cidade, nos cafés, nas casas de madeira. Em alguns lugares acendem-se salamandras, noutros os aquecedores nunca se desligam. E por enquanto, até a neve derreter, lá para Maio, vai-se vivendo assim, para dentro, por quem cresceu a viver para fora. E essa paixão que se descobre por cá, venha ela das linhas horizontais ou do sossego, é uma paixão branca, serena. 
E fica assim tão fácil gostar da Letónia.

Ao som de: Ryuichi Sakamoto & Morelenbaum - Estrada Branca

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