quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Migration office

"Todos serão benvindos desde que se queiram espantar por existirem" (email do GTIST, recebido a semana passada)


É uma rua escura e luminosa ao mesmo tempo. Talvez pelo pavimento negro rasgado da luz que atravessa as árvores. As árvores que tapam as casa, também escuras, até ficarem só bancos, estrada e passeios. Do lado direito passa uma senhora carregada de pequenas caixas com grades, aprisionando pardais: uma estrutura andante a caminho do templo. A troco de uma moeda dá-te uma caixa, para libertares o pardal e agradares os deuses. Do outro lado da rua, um par cor de laranja e ombros nus, de chapéu de chuva aberto contra o dia húmido e a chuva intermitente. Dois monges, caminhando na mesma direção da senhora. Eu também. Não me lembro de estar sozinha ou acompanhada. Não me lembro da data, do momento nem do lugar. Acho que era Banguecoque. Mas podia ser Macau, ou Singapura. Só me lembro da rua, como um postal. 
(Banguecoque?)

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Aguardo à beira da estrada que uma motoreta pare. Não me lembro como lhe disse o caminho ou como apareceu. Só me lembro de percorrer a estrada deserta, estre a floresta húmida e espessa de coqueiros, agarrada, numa confiança vulnerável, à cintura de um desconhecido. Ainda há puco havia visto o sol emergir da água. 
(Koh Samui)

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Recordo-me de pararmos ali, entre a opulência de brilhos que, como joias, rasgavam o negro da noite (esta cidade lembro-a sempre de noite), os homens de negócios, quais nobreza do nosso século e famílias orientais, provocativamente partilhando tupperwares de comida caseira nessa mesma esplanada. E o reflexo do rio que orla uma cidade de fontes de leão, de tigres brancos, de grandes estruturas de metal, vidro e instalações luminosas. No ar há um cheiro a fruta irreconhecível. E olho para ela com o olhar refletindo todas as luzes e o jovem orgulho de ter chegado ao outro lado do mundo. 
(Singapura)

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Dentro desta sala todas as pessoas têm um papel na mão. Metade está em pé e a outra metade sentada. Não entendo as línguas que se falam aqui Ao meu lado direito há uma mesa alta com canetas onde se preenchem formulários e se espalham exóticos passaportes. Na parede, um contador digital promete uma espera dolorosa até ao número da minha senha. Com tanto tempo oferecido, aproveito para recordar o tanto que já (vi)vi. Vou-me registar um novo lugar. É uma cidade castanha e cinzenta, rasgada de elétricos. Aqui, as cores são diluídas. O azul do rio não é azul, nem o céu. O verde das árvores não é verde. A cor vai-se descobrindo por trás das portas, nos segredos dos pátios e das caves, e debaixo dos casacos das pessoas. Aqui estou, registando-me de novo. Palpitam em mim todas as recordações, o que me espera e o que adivinho, perguntando-me se daqui a dez anos estarei a pisar calçada ou a descascar fatias de mamão entre florestas.
 (Budapeste - Migration office)



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