quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

As lições que levamos daqui


Algumas lições que levamos...

Estar fora faz-nos isto: parar. Para pensar a qualquer momento: "está a valer a pena?", "o que aprendi hoje?", "onde me enriqueci hoje", "estou-me a divertir?"
Estar fora é um sacrifício e, por o ser, faz com que estejamos constantemente alerta a medir na balança o que realmente interessa, a querer tirar o melhor partido de cada dia, um de cada vez. Por isso voltamos sempre um pouco mais sábios. Por isso partimos, para aprender um pouco mais.
Por isso também, aqui, o tempo dura mais tempo. A vida dura mais tempo.

Até agora são estas as lições que aprendi da Hungria, dos Húngaros e de Budapeste.


#1 Tu não és especial: 
Não és. Não interessa como estás vestido, nem sequer interessa muito o que dizes ou como te ages. Não importam as tuas histórias de grandes feitos e conquistas. Não te vão tratar melhor por isso e também não te irão tentar engraxar. Ameaçador ao início, pode revelar-se um alívio. A preocupação com as aparências desce para o zero, e todas as pessoas ficam niveladas. Aqui não se conhem marcas, nem as últimas novidades do mundo do consumo. Há uma insenssibilidade geral ao mundo actual. O meu colega de trabalho Belga conta que a maior lição que teve aqui foi de modéstia. Eu penso que sim, aprende-se a baixar a guarda e a não julgar.

#2 Primeiro, desconfia sempre:
Ou pelo menos espera que desconfiem de ti. Ao contrário de uma atitude extremamente curiosa, é provável que não sejam feitas muitas perguntas nem conversas, principalmente em contextos de desconhecimento (cafés, supermercados, etc). É preciso tempo para conquistar.

#3 A boa educação conqista corações:
Uma boa maneira de contornar essa desconfiança é com resiliência e boas maneiras - continuar a repetir o bom dia e o sorriso, darmo-nos a conhecer. Assim  consegui arrancar um olá cada vez mais prolongado à senhora da padaria, todos os dias!

#4 Não causes muito impacto:
Não vale a pena dizer tudo o que pensas - reflete bem e discute com amigos ou colegas antes de tornar a informação pública. Aprende não dar muito nas vistas.

#5 As pessoas estão onde não se vêm:
As caves são amadas como lugar de refúgio, assim como as casas. Procura escadas que dêm para baixo, porque escondem lugares bonitos.

#6 Estar na zona de conforto sabe bem: 
Sabe bem estar com a família e com os amigos, laços fortes que raramente se quebram, grupos sagrados que se respeitam. "Os húngaros são simpáticos e deixam-te entrar, mas só um bocadinho", dizia o meu colega. "Se divídíssemos a intimidade de um a 5, com sorte chegas ao número 2." Aqui as relações estão mais restritas aos espaços que habitam: trabalho, lazer, desporto, casa. Dificilmente se misturam. Emquanto na Suécia visitei a casa de tantos amigos, desconhecidos e colegas de dança e trabalho, aqui reparo que na maioria ficamos por um copo de vinho partilhado numa esplanada.

#7 Não faças muitas perguntas:
E aceita o imprevisto, como dedução desta primeira lição. Penso que as pessoas no dia a dia e no geral não aceitam bem perguntas muito detalhadas tais como "o que é isto?", "o que me recomenda?", "como foi feito?", "o filme é sobre o quê?". Aqui, aprende-se a viver com menos informação, e abre-se o espaço para uma visão mais limpa dos lugares e das pessoas.

#8 As coisas grátis sabem melhor:
Os húngaros ADORAM coisas grátis - é preparar um buffet gigante e vê-lo desvanecer-se em 5 minutos.

#9 "Primeiro eu, depois os outro" ou "Não te conheço, não é minha responsabilidade":
Não interpretem isto como um sinal de egoísmo, mas entende-se que - O senhor do buffet de cima bem pode ter esvaziado a bandeja dos salgados sem se importar se mais alguém queria tirar um. Às vezes vejo-me forçada a ter este sentimento contra a minha vontade. Há muitos mendigos e um sistema social que ainda não ajuda toda a gente, ainda são se assegura o mínimo da condição humana...

#10 Não gastes muito dinheiro:
Aqui, aprende-se a viver com pouco dinheiro, por necessidade e por escolha - como as coisas mudam de perspectiva!

#11 Lê:
Aqui lê-se muito, em todo o lugrar, livros eletrónicos, livros amarelos em segunda e terceira mão. No metro todas as cabeças olham para baixo, para páginas gravadas de uma língua ainda indecifrável. O vazio deixado pelas pelo não-consumo passa a ser preenchido pelas letras.

#12 Recicla:
Os Húngaros fazem maravilhas com coisas recicladas, e aqui não me refiro à reciclagem do papel e plástico mas sim aos fantásticos ruin bars, restaurantes e caféssurrealistas decorados com pilhas do que consideraríamos lixo. Uma marca tão característica da cidade.

#13 Valoriza o campo:
O sonho de um habitante de Budapeste é morar no campo. E como se entende, quando não se têm grandes arvoredos, ar puro, terras amplas, brisa do mar. Budapeste é uma cidade para se trabalhar, de onde mais tarde se deverá partir.


Este post não é uma crítica, é um testemunho meu e do que tenho ouvido dizer. Mas testemunho também foi que precisamente no momento em que ignorei estas regras que se começaram a abrir as portas e os sorrisos. E que tenho tantos amigos que estão aqui para quebrar todas as leis que tento inutilmente criar.

Das lições, é precioso também entender o seu sentido o contexto que Budapeste viveu nas últimas décadas, libertado do comunismo há pouco mais de 20 anos, e como se justificam política e culturalmente.




Sem comentários:

Enviar um comentário