terça-feira, 11 de agosto de 2015

Despertar


Ela seguia o passeio à minha frente. Saia plissada do vestido branco de renda, losangos florais recortados pela cor da pele deixada transparecer, cabelo loiro ondulando as costas. Ela seguia e na mão um saco de plástico contendo ameixas negro-púrpura, nectarinas em degradé amarelo e vermelho como um pôr-do-sol e não lhe vejo a cara, vejo apenas a figura quase infantil, a figura quase etérea de tão clara como o vestido, a exuberância dos frutos abafados pelo saco. 
E passo assim a entendê-la como mensageira de outras realidades, imaginando-a a caminhar entre chorões, a renda do vestido replicada nas sombras das árvores, a abrir trilhos de imaginação. Muitas vezes vejo as pessoas assim, construindo-lhes adereços, talvez tivessem nascido noutra época, noutro lugar, algures perdidos nas montanhas, algures empanturrando banquetes, algures pescando em alto mar.
A figura desaparece na porta giratória para reaparecer do lado de dentro do edifício, picando a entrada com o cartão magnético, entrando em elevadores. 
E lembro-me que estou no escritório, que são 9 horas, que tenho uma cadeira de napa, que tenho um registo de tarefas.
Então não sei se desperto de um sonho, ou se irei agora adormecer por oito horas.

Ao som de: King Creosote - One floor down

2 comentários:

  1. Provavelmente adormecer 8 horas! ;) Bom texto!

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  2. Obrigada! Olha, ainda não te tinha visto o blogue - estás multiplatafórmico! :D

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